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(Foto: gentilmente cedida pela autora) |
IZAN SANT – Você se imaginava
como ganhadora do Emmy? Já havia um sentimento positivo dentro de você?
MARIA JOÃO COSTA – É muito
curiosa essa pergunta porque sempre brinquei com minha equipe a respeito, lhes
dizendo que nos tínhamos de nos empenhar no que estávamos fazendo porque
tínhamos de ganhar o Emmy. É evidente que, de sonhar com esse prémio a
realmente subir no palco em Nova Iorque para o receber, vai uma distância
enorme, mas sempre tive como lema que o impossível é só o que não se tentou.
IZAN – Soube que o José Eduardo
Moniz a desafiou a escrever novelas. Como ocorreu, de facto, esse desafio?
MARIA JOÃO COSTA
– Eu vivia ainda no Brasil (para quem não sabe, vivi no Rio de Janeiro quase
cinco anos), quando comecei a falar com o José Eduardo Moniz da TVI (uma
espécie de Boni português) sobre a possibilidade de escrever uma novela. Na
época não passava de uma ilustre desconhecida no roteirismo, minha experiência
era zero, apesar da minha ligação a áreas de conteúdos ser antiga (comecei como
jornalista ainda na faculdade e depois fui Publisher de livros durante quase
dez anos). Para saltar algumas etapas, restava-me arrumar um jeito de convencer
o Moniz de que eu tinha capacidade para ser autora titular. Um certo dia, ele
comenta comigo que gostaria de ter uma novela cuja história se passasse entre
Portugal e Brasil e aí eu pensei: está
aqui minha chance. A verdade é que não me foi feito um convite formal para
apresentar uma sinopse sobre a temática: eu é quem quis acreditar que sim, e
não deixei passar a oportunidade. De cara lhe disse que se queriam uma novela
entre os dois países iria ser eu a escrevê-la, e logo comecei a trabalhar numa
sinopse. Como vão poder ver a premissa da história central é muito clássica. O
nosso Jorge Monforte é uma espécie de Conde de Monte Cristo na matriz (não mais
do que isso), mas tive de jogar pelo seguro. Já chegava não ser conhecida no
meio, nem ter experiência: não podia apresentar uma ideia totalmente fora da
caixa. Foi assim que surgiu o primeiro rascunho de “Ouro Verde”, que permitiu a
entrada nesse mundo da TV e do roteirismo.
IZAN – Quem escolheu o Diogo Morgado e a Joana de Verona,
que são incríveis, como casal protagonista? Você, unicamente, ou em comum
acordo com a Direção?
MARIA JOÃO COSTA – Essas
decisões são sempre tomadas em conjunto.
IZAN – Autora, editora e
guionista. Explique-nos como foi o início de sua carreira, a partir de seu
primeiro emprego.
MARIA JOÃO COSTA – Isso
seria uma longa, longa conversa. Mas muito brevemente, comecei a trabalhar como
jornalista quando ainda estudava na faculdade de Direito. O trabalho começou
como um hobby que se foi tornando
mais sério à medida que o tempo foi passando, sobretudo quando estava no último
ano da faculdade e me convidaram a integrar um novo projeto de informação da
RTP (Televisão Pública Portuguesa), um canal inteiramente de notícias, para o
qual estavam a recrutar um grupo de 50 jovens jornalistas, no qual me
incluíram, a quem deram formação geral em TV (teórica e prática). Graças a esse
projeto aprendi a filmar, editar, etc. O conceito era que qualquer um dos
jornalistas fosse totalmente independente. Ele poderia sair e recolher a
imagem, editar a matéria, inserir a informação no sistema da régie... Éramos
jornalistas todo o terreno. Daqui mudei para a área de programas da RTP, onde
trabalhei nos bastidores durante um tempo. Daqui tentei pela primeira vez a
minha sorte com o Brasil, e consegui um trabalho com a TV Globo, no GNT
Portugal, que era uma espécie de TV Globo Internacional em Portugal (que
passava os programas de maior sucesso da Rede Globo), onde fazia o programa
Braços Abertos, um híbrido entre informação e entretenimento que pretendia
fazer a ponte entre Portugal e Brasil. Quando a TV Globo deixou Portugal em
2006 (sendo que, entretanto, voltou), comecei a trabalhar na edição. Foi quando
integrei as edições Dom Quixote (a Companhia das Letras portuguesa) que, um ano
depois, foram absorvidas pelo grupo Leya. Fiquei nesta área quase dez anos,
entre Portugal e Brasil, já que em 2012 me mudei para o Rio de Janeiro para
abrir o escritório da Leya lá. Aproveitei esta minha passagem pelo Brasil para
mergulhar a fundo no estudo do roteirismo, aproveitando o boom que a nova lei
do audiovisual tinha provocado de oportunidades no estudo da área. Fiz vários
cursos de roteiro para séries e telenovela, fiz cursos de interpretação para TV
(apenas para entender como é estar na pele dos atores, sentir as suas
dificuldades), o que foi muito produtivo para mim. Tive de compensar a minha
falta de experiência na área com estudo, hábito que não abandonei até hoje.
IZAN – Sobre qual tema você mais
gostava de escrever em “Ouro Verde”?
MARIA JOÃO COSTA – Em “Ouro
Verde” me interessavam as ideias de tempo perdido e de que na vida existe uma
espécie de justiça divina que trata sempre de colocar as coisas no lugar certo,
sem que seja necessário mexermos um dedo para isso. Pode até demorar algum
tempo, mas se confiarmos nisto, e como digo sempre, só temos de nos sentar na
primeira fila de cadeirinha, ter alguma paciência e esperar que aconteça. Que
foi o que o protagonista dessa trama não fez. Apesar de ter tido a paciência de
esperar 15 anos para fazer justiça, ele não pensou em mais nada ao longo desse
tempo. Ele hipotecou todo o seu presente àquela ideia de vingança. Certo de que
só começaria a viver quando isso acontecesse. Só que o tempo foi passando, e
quando chega o momento de fazer justiça, ele percebe que na verdade ele
congelou a sua vida durante aqueles 15 anos, como se se tivesse recusado a
viver de verdade, quando na realidade não precisaria de ter feito nada, porque
a justiça seria feita de qualquer jeito, com ou sem a sua intervenção, graças à
tal justiça divina de que falei. Perdemos muito tempo na vida com bandeiras
pelas quais não vale a pena lutar.
IZAN – E em “Valor da Vida”?
MARIA JOÃO COSTA – Em “Valor
da Vida” me interessava a ideia de como a memória é importante, se não
fundamental, no processo de construção de identidade. Como que se sem isso não
nos sentíssemos inteiros, não nos sentíssemos pessoas. Acho interessante a
ideia de que estamos condenados a conviver com o nosso passado: por mais que o
queiramos esquecer ou apagar, ele faz parte de quem somos hoje e sem ele
estaríamos num lugar completamente diferente. A dado momento na história, por exemplo,
uma personagem pergunta ao nosso protagonista (que está sem memória e
atormentado por isso) se já pensou que devem existir no mundo muitas pessoas
que pagariam para poder apagar as memórias do seu passado, para poderem ficar
livres disso. Mas já pensaram que se isso acontecesse, o mais certo era que
essas mesmas pessoas não descansassem enquanto não soubessem o que lhes
aconteceu? Quem eram, de onde vinham? Porque como humanos temos essa
necessidade de preencher a noção de tempo que nos precede. Se temos certa
idade, temos de ter memórias do tempo que está para trás, para sabermos quem
somos.
IZAN – “Ouro Verde” está
conquistando o mundo. Como se sente, mesmo, em relação a isto?
MARIA JOÃO COSTA –
Conquistando o mundo não sei, mas está já vendida para dezenas de países e é
evidente que isso me enche de orgulho e satisfação. Não escrevo para o meu
umbigo, justamente porque gosto que o que escrevo chegue ao maior número de
pessoas, e desse ponto de vista “Ouro Verde” não poderia corresponder mais às
minhas expetativas.
IZAN – Esta novela já havia sido galardoada pela Sociedade
Portuguesa de Autores como Melhor Ficção do Ano e recebido o prémio Persona. Nesses
dois casos, qual o grau da sua emoção?
MARIA JOÃO COSTA – É sempre
bom receber prémios, não vou dizer o contrário. Porque isso é uma confirmação
externa sobre o nosso trabalho, sem bem que a primeira são as audiências e a
reação do público, coisa que também me dá muita satisfação, esse feedback de
quem nos vê. No caso do prémio da Sociedade Portuguesa de Autores, tenho de
confessar que foi um prémio que me deu bastante alegria receber, uma vez que
foi a primeira vez que uma telenovela recebeu esse prémio em Portugal, o de
melhor ficção do ano. E nós sabemos como é difícil e injusto uma novela estar a
competir com seriados. Em relação ao
prémio Persona, que é um prémio que na verdade premeia mulheres no
universo da Língua Portuguesa, acabo por ser galardoada pelo facto de ter
escrito uma ficção onde a multiculturalidade da língua estava muito presente.
No Brasil, por causa da dublagem não vão conseguir perceber isto, mas na versão
original nós temos todas as sonoridades do português: temos os portugueses
puros, temos os brasileiros falando português do Brasil, uma brasileira que
conjuga as frases como se faz em Portugal, mas com a pronúncia do Brasil, temos
portugueses que falam português do Brasil, temos angolanos que falam um
português que tem a sua própria sonoridade... Enfim, temos todos os tons e sons
da língua. Isso é muito interessante.
IZAN – Seus atores portugueses
preferidos?
MARIA JOÃO COSTA – Muito
difícil nomear. São vários e de várias idades diferentes. Não gosto de destacar
ninguém em particular.
IZAN – E quais atores
brasileiros admira?
MARIA JOÃO COSTA – O mesmo
com os brasileiros, muito difícil destacar uns em prol de outros, se bem que há
nomes como o da Fernanda Montenegro que são incontornáveis.
IZAN – O que acha da Lucélia
Santos e do Edwin Luisi, que farão “Na Corda Bamba”, também na TVI, e viveram a
Isaura e o Álvaro na novela “Escrava Isaura”, sucesso em diversos países,
inclusive na sua terra, Portugal?
MARIA JOÃO COSTA – São dois
excelentes atores que, com certeza, voltarão a fazer muito sucesso em Portugal.
IZAN – Está na expectativa de
como os brasileiros receberão “Ouro Verde”?
MARIA JOÃO COSTA – Claro que
sim.
IZAN – Algum livro de cabeceira
no momento?
MARIA JOÃO COSTA – Tenho
sempre uma pilha de livros na cabeceira, um vício que vem muito antes de me
tornar editora, desde a infância. Tenho este hábito de ler vários livros em
simultâneo... No momento, tanto estou lendo Nelson Rodrigues, curiosamente, com
“Meu Destino é Pecar”, como o último thriller da coleção Millenium, como a não
ficção de Martin Gilbert sobre Israel...
IZAN – Escritores favoritos,
quais?
MARIA JOÃO COSTA – Difícil
essa, mas tenho sempre o Sandor Marai (húngaro) no topo das minhas preferências
com o seu livro “As Brasas”, no Brasil, que em Portugal se chama “As Velas
Ardem até ao Fim”. Além dele, tenho várias preferencias literárias que se
espalham no tempo e geografia: de Homero, a Vargas Llosa, de Alexandre Dumas a
James Joyce, de Eça de Queiroz e Milton Hatoum, de José Eduardo Agualusa e Mia
Couto a Thomas Man. De Kundera a Michel Houllebecq.
IZAN – Qual o seu melhor destino
turístico?
MARIA JOÃO COSTA – Muito
difícil ter um destino preferido com tantos lugares incríveis que há no mundo.
Mas no momento estou com a Namíbia, onde estive recentemente, nos primeiros
lugares da lista. Mas também adoro a Mongólia, por exemplo. Como adoro São Tomé
e Príncipe. Já nem falo de Brasil, que é como casa para mim, que está cheio de
lugares incríveis como Bonito e Iguaçu.
IZAN – Uma mensagem super do Bem
aos fãs da Maria João Costa e aos leitores do Papo de Bem!
MARIA JOÃO COSTA – Espero
que quem não viu “Ouro Verde” se divirta com a novela, e lanço um especial
desafio aos leitores do Papo do Bem.
Obrigado pela entrevista, amada Maria João Costa!
Muito bom conhecer um pouco da história dessa Novelista Portuguesa, A Maria João Costa, e parabéns Izan, por essa entrevista maravilhosa no ❤🎵❤ Papo de Bem 🎵❤🎵👏👏👏👏
ResponderEliminarObrigado, querida! Sua participação é Luz!
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