11 de julho de 2019

Novelista portuguesa Maria João Costa: Especial Entrevista

(Foto: gentilmente cedida pela autora)
Linda, carismática, de uma competência admirável, por isto premiada com o Emmy 2018, por “Ouro Verde”, novela transmitida pela Band (Brasil), Maria João Costa é como um sol: surge para iluminar nossos olhos e pensamentos, estes através de suas tramas realistas e polêmicas – nos melhores sentidos de ambas as palavras. Alguém que já considero uma amiga (como se fosse de longa data mesmo), uma autora que veio para ficar. Nosso papo enveredou por suas profissões, o Emmy, preferências, suas novelas, profissionais da TV que são talentosos... No entanto, sem mais dicas, porque vêm surpresas brilhantes nas respostas, minha primeira pergunta foi...    

IZAN SANT – Você se imaginava como ganhadora do Emmy? Já havia um sentimento positivo dentro de você?
MARIA JOÃO COSTA – É muito curiosa essa pergunta porque sempre brinquei com minha equipe a respeito, lhes dizendo que nos tínhamos de nos empenhar no que estávamos fazendo porque tínhamos de ganhar o Emmy. É evidente que, de sonhar com esse prémio a realmente subir no palco em Nova Iorque para o receber, vai uma distância enorme, mas sempre tive como lema que o impossível é só o que não se tentou.

IZAN – Soube que o José Eduardo Moniz a desafiou a escrever novelas. Como ocorreu, de facto, esse desafio?
MARIA JOÃO COSTA – Eu vivia ainda no Brasil (para quem não sabe, vivi no Rio de Janeiro quase cinco anos), quando comecei a falar com o José Eduardo Moniz da TVI (uma espécie de Boni português) sobre a possibilidade de escrever uma novela. Na época não passava de uma ilustre desconhecida no roteirismo, minha experiência era zero, apesar da minha ligação a áreas de conteúdos ser antiga (comecei como jornalista ainda na faculdade e depois fui Publisher de livros durante quase dez anos). Para saltar algumas etapas, restava-me arrumar um jeito de convencer o Moniz de que eu tinha capacidade para ser autora titular. Um certo dia, ele comenta comigo que gostaria de ter uma novela cuja história se passasse entre Portugal e Brasil e aí eu pensei: está aqui minha chance. A verdade é que não me foi feito um convite formal para apresentar uma sinopse sobre a temática: eu é quem quis acreditar que sim, e não deixei passar a oportunidade. De cara lhe disse que se queriam uma novela entre os dois países iria ser eu a escrevê-la, e logo comecei a trabalhar numa sinopse. Como vão poder ver a premissa da história central é muito clássica. O nosso Jorge Monforte é uma espécie de Conde de Monte Cristo na matriz (não mais do que isso), mas tive de jogar pelo seguro. Já chegava não ser conhecida no meio, nem ter experiência: não podia apresentar uma ideia totalmente fora da caixa. Foi assim que surgiu o primeiro rascunho de “Ouro Verde”, que permitiu a entrada nesse mundo da TV e do roteirismo.

IZAN – Quem escolheu o Diogo Morgado e a Joana de Verona, que são incríveis, como casal protagonista? Você, unicamente, ou em comum acordo com a Direção?
MARIA JOÃO COSTA – Essas decisões são sempre tomadas em conjunto.

IZAN – Autora, editora e guionista. Explique-nos como foi o início de sua carreira, a partir de seu primeiro emprego.
MARIA JOÃO COSTA – Isso seria uma longa, longa conversa. Mas muito brevemente, comecei a trabalhar como jornalista quando ainda estudava na faculdade de Direito. O trabalho começou como um hobby que se foi tornando mais sério à medida que o tempo foi passando, sobretudo quando estava no último ano da faculdade e me convidaram a integrar um novo projeto de informação da RTP (Televisão Pública Portuguesa), um canal inteiramente de notícias, para o qual estavam a recrutar um grupo de 50 jovens jornalistas, no qual me incluíram, a quem deram formação geral em TV (teórica e prática). Graças a esse projeto aprendi a filmar, editar, etc. O conceito era que qualquer um dos jornalistas fosse totalmente independente. Ele poderia sair e recolher a imagem, editar a matéria, inserir a informação no sistema da régie... Éramos jornalistas todo o terreno. Daqui mudei para a área de programas da RTP, onde trabalhei nos bastidores durante um tempo. Daqui tentei pela primeira vez a minha sorte com o Brasil, e consegui um trabalho com a TV Globo, no GNT Portugal, que era uma espécie de TV Globo Internacional em Portugal (que passava os programas de maior sucesso da Rede Globo), onde fazia o programa Braços Abertos, um híbrido entre informação e entretenimento que pretendia fazer a ponte entre Portugal e Brasil. Quando a TV Globo deixou Portugal em 2006 (sendo que, entretanto, voltou), comecei a trabalhar na edição. Foi quando integrei as edições Dom Quixote (a Companhia das Letras portuguesa) que, um ano depois, foram absorvidas pelo grupo Leya. Fiquei nesta área quase dez anos, entre Portugal e Brasil, já que em 2012 me mudei para o Rio de Janeiro para abrir o escritório da Leya lá. Aproveitei esta minha passagem pelo Brasil para mergulhar a fundo no estudo do roteirismo, aproveitando o boom que a nova lei do audiovisual tinha provocado de oportunidades no estudo da área. Fiz vários cursos de roteiro para séries e telenovela, fiz cursos de interpretação para TV (apenas para entender como é estar na pele dos atores, sentir as suas dificuldades), o que foi muito produtivo para mim. Tive de compensar a minha falta de experiência na área com estudo, hábito que não abandonei até hoje.

IZAN – Sobre qual tema você mais gostava de escrever em “Ouro Verde”?
MARIA JOÃO COSTA – Em “Ouro Verde” me interessavam as ideias de tempo perdido e de que na vida existe uma espécie de justiça divina que trata sempre de colocar as coisas no lugar certo, sem que seja necessário mexermos um dedo para isso. Pode até demorar algum tempo, mas se confiarmos nisto, e como digo sempre, só temos de nos sentar na primeira fila de cadeirinha, ter alguma paciência e esperar que aconteça. Que foi o que o protagonista dessa trama não fez. Apesar de ter tido a paciência de esperar 15 anos para fazer justiça, ele não pensou em mais nada ao longo desse tempo. Ele hipotecou todo o seu presente àquela ideia de vingança. Certo de que só começaria a viver quando isso acontecesse. Só que o tempo foi passando, e quando chega o momento de fazer justiça, ele percebe que na verdade ele congelou a sua vida durante aqueles 15 anos, como se se tivesse recusado a viver de verdade, quando na realidade não precisaria de ter feito nada, porque a justiça seria feita de qualquer jeito, com ou sem a sua intervenção, graças à tal justiça divina de que falei. Perdemos muito tempo na vida com bandeiras pelas quais não vale a pena lutar.

IZAN – E em “Valor da Vida”?
MARIA JOÃO COSTA – Em “Valor da Vida” me interessava a ideia de como a memória é importante, se não fundamental, no processo de construção de identidade. Como que se sem isso não nos sentíssemos inteiros, não nos sentíssemos pessoas. Acho interessante a ideia de que estamos condenados a conviver com o nosso passado: por mais que o queiramos esquecer ou apagar, ele faz parte de quem somos hoje e sem ele estaríamos num lugar completamente diferente. A dado momento na história, por exemplo, uma personagem pergunta ao nosso protagonista (que está sem memória e atormentado por isso) se já pensou que devem existir no mundo muitas pessoas que pagariam para poder apagar as memórias do seu passado, para poderem ficar livres disso. Mas já pensaram que se isso acontecesse, o mais certo era que essas mesmas pessoas não descansassem enquanto não soubessem o que lhes aconteceu? Quem eram, de onde vinham? Porque como humanos temos essa necessidade de preencher a noção de tempo que nos precede. Se temos certa idade, temos de ter memórias do tempo que está para trás, para sabermos quem somos.

IZAN – “Ouro Verde” está conquistando o mundo. Como se sente, mesmo, em relação a isto?
MARIA JOÃO COSTA – Conquistando o mundo não sei, mas está já vendida para dezenas de países e é evidente que isso me enche de orgulho e satisfação. Não escrevo para o meu umbigo, justamente porque gosto que o que escrevo chegue ao maior número de pessoas, e desse ponto de vista “Ouro Verde” não poderia corresponder mais às minhas expetativas.

IZAN – Esta novela já havia sido galardoada pela Sociedade Portuguesa de Autores como Melhor Ficção do Ano e recebido o prémio Persona. Nesses dois casos, qual o grau da sua emoção?
MARIA JOÃO COSTA – É sempre bom receber prémios, não vou dizer o contrário. Porque isso é uma confirmação externa sobre o nosso trabalho, sem bem que a primeira são as audiências e a reação do público, coisa que também me dá muita satisfação, esse feedback de quem nos vê. No caso do prémio da Sociedade Portuguesa de Autores, tenho de confessar que foi um prémio que me deu bastante alegria receber, uma vez que foi a primeira vez que uma telenovela recebeu esse prémio em Portugal, o de melhor ficção do ano. E nós sabemos como é difícil e injusto uma novela estar a competir com seriados. Em relação ao  prémio Persona, que é um prémio que na verdade premeia mulheres no universo da Língua Portuguesa, acabo por ser galardoada pelo facto de ter escrito uma ficção onde a multiculturalidade da língua estava muito presente. No Brasil, por causa da dublagem não vão conseguir perceber isto, mas na versão original nós temos todas as sonoridades do português: temos os portugueses puros, temos os brasileiros falando português do Brasil, uma brasileira que conjuga as frases como se faz em Portugal, mas com a pronúncia do Brasil, temos portugueses que falam português do Brasil, temos angolanos que falam um português que tem a sua própria sonoridade... Enfim, temos todos os tons e sons da língua. Isso é muito interessante.

IZAN – Seus atores portugueses preferidos?
MARIA JOÃO COSTA – Muito difícil nomear. São vários e de várias idades diferentes. Não gosto de destacar ninguém em particular.

IZAN – E quais atores brasileiros admira?
MARIA JOÃO COSTA – O mesmo com os brasileiros, muito difícil destacar uns em prol de outros, se bem que há nomes como o da Fernanda Montenegro que são incontornáveis.

IZAN – O que acha da Lucélia Santos e do Edwin Luisi, que farão “Na Corda Bamba”, também na TVI, e viveram a Isaura e o Álvaro na novela “Escrava Isaura”, sucesso em diversos países, inclusive na sua terra, Portugal?
MARIA JOÃO COSTA – São dois excelentes atores que, com certeza, voltarão a fazer muito sucesso em Portugal.

IZAN – Está na expectativa de como os brasileiros receberão “Ouro Verde”?
MARIA JOÃO COSTA – Claro que sim.

IZAN – Algum livro de cabeceira no momento?
MARIA JOÃO COSTA – Tenho sempre uma pilha de livros na cabeceira, um vício que vem muito antes de me tornar editora, desde a infância. Tenho este hábito de ler vários livros em simultâneo... No momento, tanto estou lendo Nelson Rodrigues, curiosamente, com “Meu Destino é Pecar”, como o último thriller da coleção Millenium, como a não ficção de Martin Gilbert sobre Israel...

IZAN – Escritores favoritos, quais?
MARIA JOÃO COSTA – Difícil essa, mas tenho sempre o Sandor Marai (húngaro) no topo das minhas preferências com o seu livro “As Brasas”, no Brasil, que em Portugal se chama “As Velas Ardem até ao Fim”. Além dele, tenho várias preferencias literárias que se espalham no tempo e geografia: de Homero, a Vargas Llosa, de Alexandre Dumas a James Joyce, de Eça de Queiroz e Milton Hatoum, de José Eduardo Agualusa e Mia Couto a Thomas Man. De Kundera a Michel Houllebecq.

IZAN – Qual o seu melhor destino turístico?
MARIA JOÃO COSTA – Muito difícil ter um destino preferido com tantos lugares incríveis que há no mundo. Mas no momento estou com a Namíbia, onde estive recentemente, nos primeiros lugares da lista. Mas também adoro a Mongólia, por exemplo. Como adoro São Tomé e Príncipe. Já nem falo de Brasil, que é como casa para mim, que está cheio de lugares incríveis como Bonito e Iguaçu.

IZAN – Uma mensagem super do Bem aos fãs da Maria João Costa e aos leitores do Papo de Bem!
MARIA JOÃO COSTA – Espero que quem não viu “Ouro Verde” se divirta com a novela, e lanço um especial desafio aos leitores do Papo do Bem.

Obrigado pela entrevista, amada Maria João Costa!

Ouro Verde é sua nova aventura,
aqui, CENAS DA NOVELA PRA VOCÊ.

2 comentários:

  1. Muito bom conhecer um pouco da história dessa Novelista Portuguesa, A Maria João Costa, e parabéns Izan, por essa entrevista maravilhosa no ❤🎵❤ Papo de Bem 🎵❤🎵👏👏👏👏

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  2. Obrigado, querida! Sua participação é Luz!

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