27 de março de 2020

Flash: Pelo Dia Mundial do Teatro, "Peladas rodriguianas"

(Fotos: Arquivo Pessoal do ator, diretor e produtor)

Aos profissionais de Teatro.
By
Alexandre Contini.

Apita o árbitro, sinal de que a bola vai começar a rolar; toca a terceira campainha, é hora de o espetáculo começar.
Não queira eu ter a sabedoria de Nelson Rodrigues para comparar o Teatro com o Futebol, nem pretendo fazer deste texto uma disputa entre as Artes Cênicas e os Esportes, e, sim, mostrar as semelhanças de como o trabalho coletivo pode atrair multidões em busca de catarse ou entretenimento, mas, como diria Shakespeare, “se eu falhar neste intento, por favor, corrijam-me com vosso entendimento”.
Vinte e dois jogadores em campo, onze de cada lado defendendo seu escudo, sua pátria. No palco, um grupo de atores defende seus ideais, suas crenças e, principalmente, sua experiência como um Ser.
Ser ator significa ter uma rotina diferente da de outras profissões, que exige muito mais do que o talento, te exige disciplina, te cobra comprometimento e a resposta do público é imediata. Do mesmo modo que um jogador fora de forma, por mais talentoso que seja, não alcança seu êxito total; um ator despreparado não soma ao resultado final. Não interessa se ganhou prêmios no passado, se emocionou a todos no espetáculo da semana passada, o que importa é agora.
Depois de abertas as cortinas, o Artista repete tudo o que ele faz todos os dias como se fosse a primeira vez e, se não conseguir atingir um resultado esperado, sua plateia vai embora e ele nunca mais terá a oportunidade de se comunicar — não com mesma plateia.
Se bola na trave não altera o placar, uma "quase piada" não arranca gargalhadas.
O espírito de grupo é imprescindível em ambos os lugares. Tudo ensaiado pelo Técnico/Treinador no intuito de envolver e surpreender o oponente. Ele escala seu elenco, nos ensaio repete as jogadas, conhece as limitações de seu grupo, decide qual o mais talentoso para cobrar as faltas, qual o posicionamento do time e, de fora, assiste e analisa jogo após jogo.
No teatro acontece da mesma forma. O Diretor orquestra o time, escolhe quem conduz a bola, quem conta melhor sua história, quem é o responsável pelo drible irreverente ou o capitão que dará a credibilidade para sua obra e ditará o ritmo da peça. Mas o intuito está em surpreender a plateia, porque, diferente do futebol, não existe competição, existe a proteção de uma concepção coletiva em forma de arte.
E podemos ir além nessas semelhanças, da mesma maneira que, todos os anos, os times de futebol lançam uniformes para celebrar com seus torcedores. O Figurinista desenha cada roupa dos personagens para celebrar com a plateia. O Cenógrafo desenvolve o espaço onde a história será contada; em época de Copa do Mundo no Brasil, podemos ver um Estádio mais bonito que o outro. Quantos jogos de futebol já foram interrompidos por falta de iluminação? Não se faz teatro sem um bom Iluminador para contar a história. E quando o gandula perde a bola, o jogo para! Da mesma forma que se o contra-regra não retirar o objeto de cena, estraga o ritmo do espetáculo.
Futebol é teatral e Teatro é jogo cênico.
O que seria da Copa de 94 se Romário não se desviasse do meteoro lançado por Branco na cobrança de falta que originou o terceiro gol do Brasil contra a Holanda? O que seria de Julieta sem Romeu? Ela estaria viva, casada com o Conde Paris, e Romeu ainda escrevendo cartas para Rosalina? Não sei, mas a emoção e a catarse dessa obra, ou desse gol, nos leva a lugares que não acessamos racionalmente, e é esta a magia que nos faz assistir aos jogos ou voltar ao teatro: necessitamos dessa química que explode em nossas mentes e contamina nosso corpo e a alma.
Se o futebol é considerado A Paixão Nacional e a Teledramaturgia, prole do Teatro, vem em segundo lugar, podemos confirmar que existe muito em comum entre ambos, e que ainda existem muitos mistérios entre a Arte e o Esporte do que sonha a nossa vã filosofia.

A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana. 
(Nelson Rodrigues)

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