—
Ai, que dor, que dor!... Me acuda, meu Pai!...
Foi
atirando objetos decorativos contra a parede, as janelas, os espelhos, lançou uma taça ao chão, como num
desabafo. Nuno, o irmão português três anos mais velho, que estava de férias na capital paulista, veio do quarto, assustado e
largando o tablet, na agonia da
interrogação:
— O que se passa, Ísis, o que tu tens?! — Tentava segurá-la. — Diz-me, qual o teu problema?!
Transtornada,
o tom de voz da garota se amplificou mais ainda:
—
É uma dor, é uma dor, Nuno!... Dói muito, dói!... É uma dor maior que a vida,
maior que o mundo, é uma dor!... — Gesticulava como uma doida necessitando de uma dose tripla de sedativo.
Nuno tentava acalmá-la, sentá-la no sofá, mas ela guerreava indomavelmente contra
ele. Jogou-o sobre o
tapete, rasgou-lhe a manga da camisa e lhe arranhou o rosto.
—
Dói muito, dói!...
—
Que dor, por que isso, miúda?! — perguntou-lhe, com a mão no arranhão e já
revoltado. Tentou novamente segurar os braços dela, abraçá-la.
—
Me larga, intrometido!!!
Quis
arranhar o rosto dele outra vez, no entanto o irmão se desvencilhou e lhe deu um
tapa, fazendo-a cair aos pés de uma meia mesa.
—
Chega, Ísis!!!
Silêncio
geral após o bramido de Nuno, suado, a face riscada de vermelho, a
camisa rasgada, o coração compadecido pelo sangue do seu sangue. Ísis abafou o
choro. Nuno ficou de joelhos junto a ela, que desabou no ombro dele. A sala, um
Iraque!
—
Desculpa, minha irmã... Não uso a violência, tu sabes... Só não vi outro jeito
de te frear.
—
Perdão, Nuno... Eu é que te peço, eu não queria te agredir...
— Tudo bem, está fixe — falou, repousando a mão nos cabelos corredios dela.
— Tudo está em paz agora. Mas diz-me, estou preocupado... O que se passou?
—
Ah, meu brother!... — desabafo dramático! — tudo seria tão melhor na vida se
não existissem mais homens na face da Terra!...
—
Não... — ficou parvo com o motivo. — Estás assim... por causa de um gajo?!
—
Ele... ele acabou comigo. O carinha me matou, sabe?... Aquele monstro,
ele...
—
Ele...? — disse Nuno, querendo que ela continuasse, acalorando-a com
um aperto nas mãos.
—
Ele não vale nada! Agora, é um inimigo pra mim, eu odeio aquele mané, quero vê-lo comendo capim pela raiz! — Ergueu-se. Caminhou lentamente pela sala, depois
virou-se para o irmão. — Ele me feriu, feriu minha alma. Acabou comigo. Tô me
sentido a última das pessoas, um farrapo...
Impaciente, Nuno levantou-se, desejando assassinar a dúvida:
— Pares com metáforas! O que foi que o Léo te fez, ele te pôs uma peruca
de touro, te traiu? — A impaciência deu lugar à angústia.
Ela
estranhou:
—
Quem tá falando do Léo aqui? Você pirou total?
—
Opa, esperas lá... — ele se surpreendeu. — Não é do Léo, teu namorado, que estás a te queixar?...
—
Que Léo que nada! Tô falando do Sylvan Nyll, meu cabeleireiro, ele acabou com
meus cabelos, olha aqui! — Sacudiu a cabeça, mostrando o “desastre”: eram castanhos,
estavam negros; eram na chapinha, estavam com ondas!
O
cabeleireiro havia aproveitado um cochilo da cliente, na cadeira, para mudar
seu visual por conta própria. Blackout em
Sampa, e a “vítima” deixara o local sem poder se observar ao espelho. No
caminho para casa, com a volta da energia elétrica, uma olhadinha no retrovisor
interno do carro e o susto pavoroso: o fim do mundo! O resto, já se sabe. Ísis
jurou nunca mais voltar ao Sylvan
Big Salão!
Nuno,
que não percebera a mudança no look da outra, depois da revelação caiu parvo na poltrona. Nesse instante, um carro de propaganda de xampu passou em
frente ao prédio espalhando o antigo sucesso musical, composto pelo Arnaldo
Antunes e o Jorge Ben Jor:
“Cabelo, cabeleira...
Cabeluda, descabelada...”
Cabeluda, descabelada...”
Isso
obrigou Ísis a fechar as janelas, odiando. Ela se recostou à parede, chorando como uma insana; Nuno, paralisado, pensava no “megamassacre” que
seus ouvidos foram obrigados a suportar.
Problemas,
problemas!... Eles viram gigantes ou anões, depende de nós. Do querer de cada
um.
Recriação do meu texto
original
"A bela ferida", de 2007.
"A bela ferida", de 2007.
Gostei do conto ... 👏👏 Já aconteceu comigo uma vez , algo parecido no Salão ... 😄😄😄
ResponderEliminarEntão você sentiu mesmo na pele o trauma dela... Yes.
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